COM REFLEXÕES COMPORTMENTAIS INTRIGANTES, "ELA" DIVIDIU O PÚBLICO ENTRE O AMOR E O ÓDIO
- Talita Vieira
- 27 de mar. de 2022
- 3 min de leitura

Foto: Warner Bros. Pictures/Reprodução
Lançado em 2013, o filme “Ela”, dirigido por Spike Jonze, fala, entre muitas coisas, sobre nossa extrema necessidade de estímulos – sejam eles mentais, emocionais ou sensoriais. Um outro assunto abordado de maneira evidente é a fragilidade de nossas relações sociais e interpessoais, que, por sua vez, dependem da nossa relação intrapessoal, do nosso autoconhecimento e da formação de nossa identidade enquanto indivíduos.
No filme, a figura de Theodore Twombly, interpretado por Joaquin Phoenix, exemplifica a sociedade futurista na qual vive. Todas as interações que o personagem desenvolve e estímulos que chegam até ele são mediados pelas tecnologias – desde seu trabalho, conversas com outras pessoas e relacionamentos afetivos, até relações sexuais. Theodore é o retrato de um homem solitário, que vive cercado por tecnologia, em um mundo cada vez mais individualista e emocionalmente morno.

Foto: Warner Bros. Pictures/Reprodução
Você percebeu algumas semelhanças com a vida que levamos? O contexto ilustrado em “Ela” não está muito distante de nossa realidade, no século XXI. Estamos cada vez mais dependentes das tecnologias, que facilitam a nossa vida de várias maneiras. Essa facilidade está a um toque de distância, já que estamos sempre com nossos smartphone em mãos, como se ele fosse uma extensão de nosso braço, materializando nossos desejos, como proporcionar instantaneamente a locomoção para algum lugar ou a entrega de qualquer comida que desejamos comer, onde estivermos.
Entretanto, apesar da crítica ao uso exagerado das tecnologias e à dependência e individualismo acentuados pelos avanços tecnológicos, o filme não se atém a esses aspectos de forma negativa – pelo menos não tão diretamente –, como a maioria dos filmes cyberpunk faz. O enredo, muito bem construído, apresenta cenários esteticamente agradáveis, organizados e limpos, quase sempre com cores claras – sejam elas mais frias, tendendo para tons de azul, ou quentes, com variações de tons de rosa e laranja. Até os elementos estéticos evocam essa atmosfera de conforto e de emoções amenas, o que nos faz pensar que a crítica às tecnologias não é o tema central de “Ela”.
Pode-se dizer que o longa de Jonze até chega a romantizar o uso de dispositivos tecnológicos, pois esse elemento, a tecnologia, viabiliza exatamente o tema principal do filme: os relacionamentos amorosos. As tecnologias são as responsáveis por abrir o caminho para que Theodore se apaixone. E ele se apaixona por ninguém menos que seu sistema operacional, Samantha (Scarlett Johansson), que surpreendentemente o corresponde. Já imaginou que louco seria se, nos dias de hoje, isso acontecesse com as inteligências artificiais dos smartphones (como a Siri, por exemplo)?

Foto: Warner Bros. Pictures/Reprodução
Ao contrário do que se poderia esperar, “Ela” não é mais um filme clichê de romance, afinal, o que o longa se propõe a fazer é desconstruir a idealização romântica, que ainda está muito presente nas sociedades ocidentais, principalmente, que foram colonizadas e influenciadas pela
cultura e modo de pensar dos países hegemônicos de origem europeia. É possível observar essa desconstrução à medida que o relacionamento entre Theodore e Samantha se desenvolve, nos fazendo questionar o que legitima um relacionamento amoroso. O que torna um relacionamento real? O que é preciso ter e fazer para se relacionar de forma saudável? Até que ponto nossos problemas intrapessoais nos fazem projetar idealizações sobre as outras pessoas e até que ponto isso interfere negativamente num relacionamento amoroso?
É certo que quem assiste ao filme mergulha nas inúmeras reflexões suscitadas, sejam elas explícitas ou nem tanto assim. As profundezas desse mergulho não permitem que o telespectador saia do filme da mesma maneira que entrou. A facilidade com que conseguimos relacionar diversas situações, diálogos e relacionamentos mostrados no filme com a nossa própria vida é algo impressionante. “Ela” é um longa-metragem que utiliza de forma perspicaz os recursos para criar identificação pessoal e empatia entre os telespectadores e personagens, fazendo com que pensemos sobre o modo com o qual utilizamos as tecnologias, sobre a qualidade, a profundidade e a sinceridade de nossas relações amorosas (também com família e amigos), e, principalmente, sobre a nossa relação com nós mesmos.
Talita Vieira.
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