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Subversão digital – Um ensaio sobre como nos relacionamos com as pessoas na internet em 2021

  • Foto do escritor: Talita Vieira
    Talita Vieira
  • 30 de set. de 2021
  • 4 min de leitura

Nosso comportamento mudou a maneira de usar as redes sociais ou são elas que vêm ditando nossa conduta moral e social?


Houve um tempo em que redes sociais eram realmente utilizadas para socializar. Lá entre 2010 e 2013, após o Instagram ter sido criado, numa época em que o aplicativo passava a ter um crescente número de usuários no Brasil, não líamos ou ouvíamos com frequência o termo “low profile”. Até porque todo mundo era low profile (discreto, com pouca visibilidade), já que estávamos aprendendo a utilizar essa rede social em ascensão, acompanhando, também, a popularização do smartphone.

O uso do Instagram, para a maioria dos brasileiros, era semelhante ao do Facebook. Hoje, o que muito se vê por aí são interações virtuais carregadas de intencionalidade, para além do simples “fazer amigos”. Inclusive, em pleno 2021, encontrar alguém que seja low profile, para muitos, tem virado critério para se relacionar afetivamente.


Hoje, por que não podemos afirmar que vivemos na “sociedade do espetáculo”, como conceitua o filósofo Guy Debord? Conseguimos observar como as expressões “quem não é visto não é lembrado” e “se você não está na internet, você não existe” são aplicadas ao estilo de vida das pessoas. E, para quem quer construir relações profundas, o desejável é encontrar alguém que seja uma exceção a esse modo de viver. Já se perguntou por quê isso vem acontecendo?


A possibilidade de “editar” a própria intimidade, na internet, foi ampliada ao longo do tempo. Assim como a observação da vida alheia e o “nível” de exposição. Recortes, filtros e edições pensados para disfarçar as marcas da realidade impulsionam cada vez mais interações. Uma curtida na foto de alguém (principalmente se for em mais de uma e, inclusive, em posts antigos) é utilizada por muitos como demonstração de interesse amoroso e/ou sexual.


De acordo com veículos como a CNN Brasil e o site Neo Feed, o Tinder, por exemplo, ganhou mais adeptos e acessos durante a pandemia. Contudo, a mudança quanto ao uso do Instagram vem se tornando cada vez mais perceptível, já que o aplicativo viabiliza uma ambiguidade em seu próprio uso. Diferentemente do Tinder, no Instagram, a curtida foi “desburocratizada”: é feita sob um disfarce despretensioso e sutil. Para se iniciar uma conversa com uma pessoa em quem se tem interesse, basta apenas responder uma story e voilà.


Seria o aplicativo de Mark Zuckerberg o novo Tinder do momento? Já pensou que a exposição da intimidade e a edição da realidade no Instagram faz com que possamos compará-lo a uma vitrine? Já o Tinder, por que não pode ser encarado como um cardápio ou catálogo? Afinal, assim como passamos um bom tempo na frente da tela escolhendo o que comer ou o que comprar, muitos fazem isso com as outras pessoas – uma maneira extremamente superficial de se relacionar.

Esse comportamento, em massa, denuncia um problema social, moral e até ético. Já há algum tempo, estudos na área da comunicação acerca da indústria do consumo analisam o modus operandi da pós-modernidade – termo que define a época em que vivemos – e, segundo muitos pensadores, tudo é consumo. Somos consumidores e consumidos por nós mesmos, pelas outras pessoas, pelas empresas, produtos e serviços. Nada é gratuito e os relacionamentos sociais, principalmente os afetivos, pagam o alto preço desse consumo desenfreado.


Como poderíamos prever ou cogitar que ser responsável por gerenciar a própria vida, ser dono das próprias escolhas e responsável pela própria felicidade seria algo tão pesado, não é mesmo? Em meio a tantas opções, possibilidades e permissividade, somos livres ou apenas estamos desesperados (por parâmetros, valores, limites e, por que não, freio moral)? Ao agir como quisermos (e como temos “passe-livre” para fazer, de acordo com a mentalidade que permeia o mundo, hoje), quantas vezes não tratamos outras pessoas da forma objetificada e desrespeitosa com a qual não toleramos ser tratados?


A falsa liberdade, “legitimada” pelas redes sociais, confere aos usuários uma “fuga” da responsabilidade com a própria vida (uma vida de valor e significado) e com a vida alheia, incluindo as emoções de todos os envolvidos. Numa época em que muito se fala sobre saúde emocional, mas quase ninguém consegue (ou deseja, de fato) desenvolvê-la, esse comportamento escapista é sustentado por filosofias baratas e contraditórias, que chamam o egoísmo (e o “direito” a essa mesma superficialidade) de “amor-próprio”, para fazer o que se bem entende e “se colocar em primeiro lugar”.


Num looping de autossabotagem, assim caminha a maioria da humanidade, sem perceber que, ao subverter – ou permitir que seja subvertida – a maneira de se relacionar com os outros significa, na verdade, um “tiro no pé”, afinal, somos seres sociais por natureza. E, hoje, o que “socializar” e “viver em sociedade” significa? O que as denominadas “redes sociais” significam e a que elas se propõem?


Em reflexões como essa, como não lembrar de Bauman, entre muitos outros autores que criticam exatamente esse tipo de conduta, comportamento e sociedade? Nas palavras do sociólogo polonês:


A realização mais importante da proximidade virtual parece ser a separação entre comunicação e relacionamento. Diferentemente da antiquada proximidade topográfica, ela não exige laços estabelecidos de antemão nem resulta necessariamente em seu estabelecimento. “Estar conectado” é menos custoso do que “estar engajado” – mas também consideravelmente menos produtivo em termos da construção e manutenção de vínculos.
(BAUMAN, 2004, p. 82).

(Curiosamente, Bauman é conhecido por muitos – e banalizado: por mais motivos que tenhamos para concordar com o pensamento dele, a maioria das pessoas não consegue viver de outra maneira).


Então, se não somos nem culpados e nem vítimas de toda essa subversão moral e ética, chego à conclusão de que somos, no mínimo, cooperadores (conscientes ou não) de uma triste realidade, co-criada digitalmente: um mundo no qual usar e descartar pessoas parece ser mais vantajoso porque requer menos dedicação e investimento emocional para construir vínculos reais.


Talita Vieira.



 
 
 

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